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A perigosa máquina das informações sobre TDAH no Tiktok

  • Foto do escritor: Selma Bellini
    Selma Bellini
  • 4 de jun. de 2024
  • 4 min de leitura

Já virou até meme a ideia de que se você ficar 30 minutos no feed do Tiktok você vai se autodiagnosticar como alguém que tem depressão, com episódios de ansiedade, certamente com déficit de atenção, possivelmente bipolar, vivendo com stress elevado e se relacionando exclusivamente com pessoas narcisistas. Deixando a piada do meme de lado, o cenário é esse mesmo e praticamente todos sabemos que, ao dar like em algum post sobre saúde mental, seu feed vai ser inundado com informações sobre diagnósticos deste ou daquele transtorno ou síndrome e este é um terreno sem nenhum tipo de fiscalização, onde o conteúdo de profissionais se mistura com influenciadores que não estudam o tema ou vendedores de soluções mágicas das mais variadas possíveis. Estou citando o Tiktok, porque este texto é sobre ele, mas o cenário vale para o Instagram também.


No Tiktok, um dos temas de saúde mental mais pesquisados é a hashtag #adhd, o inglês para TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). Em 2022, três pesquisadores (Anthony Yeung, do Centro de Vícios e Saúde Mental de Toronto e Enoch Ng e Elia Abi-Jaoude, ambos do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Toronto) publicaram um artigo analisando os 100 vídeos mais vistos do Tiktok sobre TDAH em inglês: "TikTok e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: um estudo transversal da qualidade do conteúdo de mídia social”. As conclusões dão números para o que já pode ser percebido quando assistimos os vídeos sobre saúde mental do Tiktok com alguma crítica: mais da metade dos vídeos são totalmente enganosos (o número que eles acharam foi de 52%). Além disso, os vídeos foram classificados como "altamente compreensíveis”. Importante explicar que a pontuação de compreensibilidade não reflete a verdade ou precisão da informação, mas apenas que ela é apresentada de forma compreensível. Isso mostra que as pessoas estão vendo vídeos que contém informações enganosas e que são apresentadas de maneira muito fácil e rápida. Resumindo: está tudo errado ali, mas a informação enganosa é comunicada de forma simples, sem espaço para dúvidas, com um manto de certeza simplificada.


Considerando exclusivamente estes vídeos mais populares, eram mais de 2,8 milhões de visualizações por vídeo (quando o estudo foi feito) e cada vídeo foi compartilhado em média 31.000 vezes. Um dado importantíssimo do estudo é que os vídeos classificados como experiência pessoal (27%) são os que têm o maior engajamento. Isoladamente isso poderia não ser um grande problema, mas se juntar essa nossa tendência de nos impactarmos mais com histórias de “gente como a gente” com o funcionamento do algoritmo, que vai passar a puxar mais e mais posts sobre o tema e isso vai incluir uma grande quantidade de informações enganosas, rápidas e fáceis de entender, bom, então temos um cenário muito perigoso que mistura identificação de pares (entre os jovens) com informações enganosas e autodiagnósticos simplificados.


Embora as redes sociais possam ter uma função importante de falarmos mais sobre saúde mental de forma aberta, tanto é que o estudo classificou 21% do conteúdo com alguma utilidade, também há preocupação com a desinformação, aumento de diagnósticos simplificados e sem cuidado e potencial para ansiedade sobre doenças devido ao volume de conteúdo não moderado. Além disso, forma-se um perigoso mercado ao redor deste ou daquele sintoma. Esse estudo é uma contribuição importante no debate sobre o crescimento de diagnósticos de TDAH na atualidade e o papel que as redes sociais podem ter nesse cenário.


O TikTok é uma rede social relativamente nova, com um público majoritariamente jovem e há poucas pesquisas sobre a qualidade de seu conteúdo e sobre o impacto dele no aumento de (auto)diagnósticos. Os pesquisadores citam estudos recentes que examinaram vídeos do TikTok e descobriram que a desinformação era comum em uma variedade de tópicos médicos.


Um outro dado importante, que não está no estudo, mas que cito neste texto para aumentar a compreensão do cenário, é que a terceira maior anunciante no Tiktok em 2022 foi a Cerebral Inc, startup que oferece ferramentas virtuais para saúde mental, incluindo prescrição de medicamento. Apenas Amazon e HBO gastaram mais em anúncio que a Cerebral no Tik tok naquele ano. Isso quer dizer algo, não? Também em 20233, a empresa começou a ser investigada nos EUA por prescrições indiscriminadas de medicamentos para tratamento de déficit de atenção, anfetaminas que podem causar dependência e que exigem muito cuidado. Eles então pararam com as prescrições.


Para empresas como a Cerebral Inc é um ótimo negócio ficar martelando informações assim na cabeça das pessoas, transformando situações e emoções que fazem parte da vida em transtornos, síndromes, etc… É muito fácil, por exemplo, achar “testes” de depressão, ansiedade e stress no Tiktok e os usuários compartilham seus resultados abertamente, com uma musiquinha de fundo, dizendo que o teste deu que eles têm, por exemplo, depressão severa. Existe até uma hashtag #testedadepressao e os posts dela acumulam mais de 12 milhões de visualizações. Vale mencionar que quase 40% do público do Tik Tok tem entre 18 e 24 anos.


A Cerebral Inc sabe de tudo isso, daí seu investimento de quase 14 milhões de dólares no Tiktok em 2022. Repetindo: a terceira maior assinante do Tik tok. E ela não é a única, nossos dados de saúde mental estão por aí de outras formas e isso alimenta os algoritmos das redes sociais. A própria Cerebral Inc admitiu vazamento de dados de mais de 3 milhões de pacientes para Google, Meta (Facebook e Instagram) e Tik Tok, incluindo respostas que as pessoas forneciam para os questionários sobre sua saúde mental, ou seja, dados extremamente sensíveis e íntimos sobre emoções, medos e queixas que foram alimentar os algoritmos dessas plataformas e o infinito feed de posts sobre temas de saúde mental.


A enxurrada de informações sobre saúde mental nas redes sociais é uma via dupla. Há o benefício de estarmos falando disse de forma mais aberta e isso leva pessoas a buscarem ajuda profissional séria. Por outro lado, isso alimenta o negócio da própria plataforma e, como sabemos, o alimento dos algoritmos somos nós mesmos, nossa atenção e nossa saúde mental.


*Ilustração de Joey Klarenbeek


Selma Bellini

Psicóloga

CRP 06-155290

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